sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Entrevista no Jornal Página Aberta

ENTREVISTA 
Versatilidade e talento do músico goiano Bororó 

Por Nilo Alves
Com mais de 30 anos de carreira Bororó tocou com grupos importantes da África, Europa, Índia, países árabes e Estados Unidos. Foi nesta miscelânea que o artista obteve sensibilidade para adequar as linguagens da música, as suas próprias identidades. Sempre na tentativa de universalizar a música. Com a consagrada sambista Beth Carvalho, Bororó trabalhou sete anos, o que lhe rendeu muitas trocas profissionais,
e grande amizade com a cantora e outros grandes nomes da MPB
 
JORNAL PÁGINA ABERTA – Você realizou shows nos Estados Unidos em Denver, Los Angeles, San Diego, Guerneville, Dakland, Santa Cruz, Monterrey, Chicago, Boston, Pitiburgh e Nova York. Quais os benefícios que esta turnê lhe trouxe?
 
BORORÓ – Em primeiro lugar quero aqui agradecer o convite carinhoso da turma do Jornal Página Aberta. Muito me emociona tentar traduzir um pouco dessa longa caminhada, desde os 12 anos de idade, quando tudo começou.
Quando temos oportunidade de realizar uma turnê, é claro que aprendemos muito, pois geralmente nessas turnês costumam ter outros grupos, ora africanos, europeus, árabes, indianos e por aí vai. São vários músicos em contato o tempo todo, trocando informações, são várias linguagens e cada uma com sua própria identidade. É lógico que sempre estamos na tentativa de universalizar o que nós nos propomos a fazer, que é uma arte que tenha sérios compromissos na nossa área, no caso a música, que tenha um engajamento, tendo estética e plasticidade. A ideia é de transformar, que é o papel do artista, só que pra isso é necessário alguns entendimentos.
 
JPA – Você tocou com Beth Carvalho ao ar livre na Bélgica, no Festival de Montreaux . Como aconteceu?
 
BORORÓ – Foram momentos muito importantes, mas teve uma emoção diria que mais forte, pois nessa época o festival de Montreaux ainda não tinha, digamos bem na “lata” ... caído o nível. Era uma época que só valia aquilo que realmente fosse diferenciado, ousadia... quanto mais criativo, melhor.
 
JPA – Além de tocar com Milton Nascimento, você tocou com dezenas de músicos brasileiros nestas três décadas de música. Fale um pouco sobre esta experiência.
 
BORORÓ – Tocar com grandes compositores não só da música brasileira mais também africanos, cubanos, americanos jazzistas e roqueiros, europeus, árabes, venezuelanos e outros, pra mim é de fato muito gratificante em vários
aspectos. Um deles é o que se refere a identidade de cada país aqui citado. Obviamente teremos uma riqueza enorme do que podemos chamar de linguagem própria, IDENTIDADE.... seja pra compor, fazer arranjos, cantar, tocar um instrumento, tudo isso é necessário ser universal, quanto mais informação e vivência se possível in loco, teremos sim mais facilidade de trabalhar. Creio que seja mais transpiração do que inspiração.
 
JPA – Vale a pena ser músico de bandas hoje no Brasil?
 
BORORÓ – Para os músicos que estão começando, as bandas de baile tem sim um valor inestimável. Pela experiência de tocar vários estilos de músicas, como as bandas dos bombeiros, polícia militar e outras bandas. Devemos ter um enorme carinho e respeito pelo trabalho que eles desenvolvem ao longo do tempo. Sempre vale a pena, estamos aprendendo o tempo todo.
 
JPA – Você participou também de inúmeros projetos internacionais. Qual foi o projeto mais importante na sua carreira musical?
 
BORORÓ – Cada projeto que participei me doei muito, com carinho, amor, pois amo o que faço. É como se fosse um filho, não existe um filho mais importante do que o outro, todos tem a sua importância, todos os projetos tem uma importância fundamental na minha vida.
 
JPA – Na área da música, você é quase tudo: compositor, músico, cantor, arranjador, produtor e diretor musical. De onde veio toda esta versatilidade?
 
BORORÓ – Foi convivendo com os maiores instrumentistas brasileiros e com os grandes maestros e arranjadores deste País como Radamés, Chiquinho de Moraes, Leonardo Bruno, Cristovão Bastos, Leandro Braga, Gilson Peranzzeta, Maestro Cipó e nosso grande maestro Brás Pompeo de Pina. Comecei aos 12 anos de idade, então muita água passou debaixo dessa ponte. Aprendi muito e tenho muito a aprender.
 
JPA – Bororó é dono de uma pegada e um swing elogiado por grandes nomes da música nacional e internacional. Fale sobre isso.
 
BORORÓ – Sempre pesquisei ritmos do mundo inteiro (risos...). É uma loucura mais é isso mesmo que aconteceu e acontece, pois nunca pára e isso teve uma repercussão muito positiva. Estava um dia tocando em São Paulo e quem
apareceu no camarim após o show foi Peter Gabriel, fiquei muito feliz, muito emocionado e trocamos muitas informações, até porque eu conheço o seu trabalho a fundo, foi quando ele deu uma entrevista na Folha de São Paulo falando sobre a pegada e oswing.
 
JORNAL PÁGINA ABERTA – Como foi a sua experiência tocando sete anos ininterruptos com a sambista brasileira Beth Carvalho?
 
BORORÓ – Foi através de Betth que pude conhecer e gravar com todos os sambistas brasileiros, afi nal de contas ela é a madrinha da maioria dos sambistas. Ela tem um swing maravilhoso e tem um gosto muito apurado, um ser humano maravilhoso, grande amiga.
 
JPA – Fale sobre a sua experiência no Festival Internacional de Cuba?
 
BORORÓ – Conviver com a música cubana foi algo maravilhoso, ter conhecido Pablo Milanes, Silvio Rodrigues, Sara Gonzales, o grupo Los Vans, foi muito mágico. Só não aprende quem não quer. São pessoas maravilhosas, carinhosas.
 
JPA – Você foi homenageado pelas Nações Unidas em 2003. Como ocorreu esta homenagem?
 
BORORÓ – Foi um trabalho que desenvolvemos no Rio de Janeiro com relação ao meio ambiente, fiz uma música que pudesse retratar as questões cruciais dos rios do Rio de Janeiro. Então veio o reconhecimento do trabalho a
ONU (Organização das Nações Unidas) me deu esse diploma. Fiquei muito grato, mais esse é o nosso papel, temos que dar a nossa contribuição, fazer a nossa parte na busca de melhorar o nosso planeta.
 
JPA – Você correu a América latina atirado pela cultura afro. Fale sobre esta experiência.
 
BORORÓ – Estou envolvido a mais de 28 anos com um projeto que se chama “Brasil Nação Kalunga” , uma pesquisa realizada no nordeste goiano – Terezina de Goiás, Cavalcante e Monte Alegre que é onde vivem os kalungas. As festas, as suas músicas, a comida, o artesanato. As belezas naturais ali presentes é algo de maravilhoso, mas em contraponto a isso, existe o lado sombrio, as dificuldades causadas pelo isolamento, vem a miséria atrelada à doença. Esta é a triste realidade dos kalungas. Existe um discurso muito lindo
sobre a preservação dos kalungas. Preservar a cultura através dos seus costumes é ótimo, mas porém, preservar o ser humano é desumano e você acaba matando-o. Temos que ter muito cuidado com essas situações. Foi
quando falei com Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Sérgio Ricardo, Paulinho Moska, Zeca Baleiro, Dona Ivone Lara e Ivan
Lins. Foi a partir desse momento que todas estas pessoas compraram a briga dos kalungas. Em breve estaremos lançando este trabalho, músicas compostas por mim e letras de Carlos Ribeiro, um trabalho inspirado nessa comunidade de seres especiais, pessoas lindas.
 
JPA – Como estão os seus projetos musicais?
 
BORORÓ – Muito bem. Tenho o fogaréu, vou lançar o projeto kalunga, e estou preparando um instrumental e tenho o Quarteto Brasil no Rio de Janeiro, eu , Cristovão Bastos, Jurim Moreira e Zé Canuto. Acabei de produzir o CD da Eliza Canuto que é uma cantora de Goiás que é super bacana; Manassés, um trompetista maravilhoso também produzido por mim, e estou nesse momento produzindo juntamente com o grande instrumentista violonista, guitarrista e arranjador Jairo Reis o DVD do compositor e cantor Nilton Rabelo. Tá o maior barato trabalhar, adoro trabalhar, principalmente quando surgem grandes propostas em termos de estética, qualidade e plasticidade, qualidade.
 
JPA – A música goiana teve uma grande ascendência nos anos 80/90 e no momento vive em profundo esquecimento por parte da mídia. Se você fosse presidente da Agepel (Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira), qual seria a sua primeira atitude para salvar a música feita em Goiás?
 
BORORÓ – Investir na mídia, colocá-la no eixo Rio - São Paulo e fortalecer as nossas manifestações populares.
 
JPA – Por que você voltou para o seu berço Goiás?
 
BORORÓ – Quero qualidade de vida, só vou ao Rio de Janeiro para projetos especiais, depois de uma longa caminhada pelo mundo afora hoje tenho o privilégio de escolher com quem tocar, agora na minha terra, quero tocar com a maioria dos amigos e irmãos goianos.
 
JPA – Atualmente Bororó faz o que na capital goiana?
 
BORORÓ – Eu tive oportunidade e a honra de conhecer um ser humano muito
especial que é o Jairo Reis e como já disse é também um super músico, então juntou a fome com a vontade de comer (risos...). Montamos um super estúdio, equipamentos de ponta, vale a pena conferir. Estamos produzindo, fazendo arranjos, tá super legal. Estamos fazendo o que mais gostamos que é tocar. Conviver com a música faz com que fiquemos sempre de bem com ela.